domingo, 2 de novembro de 2014

O estado de natureza como sociedade ideal

Jean-Jacques Rousseau, filósofo romântico do século XVIII, deixou-nos um legado importante, apesar de ser humanista, e acreditava piamente na humanidade e no próprio homem como fonte de reestruturação da sociedade para uma progressão transcendente. Para Rousseau o estado de natureza não caracteriza um período da história humana marcado por inconveniências a serem superadas pela constituição da sociedade civil. 

Aqueles para os quais o estado de natureza constituía uma etapa que precisava ser necessariamente ultrapassada para que a humanidade pudesse estabelecer formas de convivência mais adequadas ao conjunto dos indivíduos, como é, por exemplo o caso de Hobbes e Locke. Para Rousseau o estado de natureza era plausível, mas deixou de ser a partir do momento em que o homem descobriu o seu poder entre os demais e disse ao outro: "Isto aqui é meu", ou seja, no momento em que o homem cria uma ideologia de que algo lhe pertence, ele restringe tal objeto como fonte única e intocável dele. E é exatamente à isto que contradiz o que Rousseau considerava como estado de natureza, o do "bom selvagem"; uma vez que o homem deixa de ser inocente sobre seu próprio mundo e suas escolhas, e escolhe apenas o que lhe convém, ou seja, o pior para os outros homens. O indivíduo torna-se individualista e esquece de todos os demais.

Embora na visão de Hobbes, o estabelecimento da sociedade civil através de um pacto realizado por toda a comunidade (contrato social) trazia ganho suficiente - em termos de preservação da vida, da liberdade, da propriedade, dos bens e da segurança do respeito às leis que deveriam ser submetidas à todos os indivíduos, para Rosseau o estado de natureza tinha a plena ausência de grupamentos humanos, ou seja, da vida em comunidade, já que esse período é marcado pelo isolamento quase completo dos indivíduos, quebrado apenas para efeitos de reprodução. No entanto, para Rousseau os homens no estado de natureza não tinham

a menor necessidade um do outro; (...) não tendo nem casa, nem cabanas, nem
propriedade de nenhuma espécie, cada qual se abrigava a esmo e em geral por
uma única noite; os machos e as fêmeas uniam-se fortuitamente conforme o
caso, a ocasião e o desejo (...). Logo que tinham forças para procurar seu alimento,
[os filhos] não tardavam em deixar a própria mãe e, como quase não havia
outro meio de encontrar-se senão o de não se perder de vista,
logo chegavam ao ponto de nem sequer se reconhecerem uns dos outros.

Conquanto vale ressaltar que enquanto Hobbes conceituava o homem como naturalmente mal, ou seja, "o homem é o lobo do próprio homem", pois enquanto não houvesse para Hobbes uma forma de regras as condutas humanas, não haveria paz entre os homens. Mas questiono: hoje em dia não deixamos de ser lobo do próprio homem, pois sempre buscamos derrubar outrem para subirmos ao topo, e as regras não nos salvam, quando a sociedade em si busca incessantemente poder e o quebramento de condutas corretas. Porém, para Rousseau o homem era naturalmente bom, e que somente se desvirtuaria com a civilização, ou seja, a vida em grupo. "O homem nasce livre, e por toda parte encontra-se acorrentado", tal frase de Rousseau em seu livro Contrato Social, foi uma vidência de suma importância para a compreensão da sociedade contemporânea, uma vez que nascemos livres para fazer nossas escolhas, mas por toda parte encontramo-nos condenados a sermos escravos de nossos próprios desejos, ou seja, acorrentados por nosso próprio eu.

Cabe dizer: o utópico contrato social que temos para vivermos em sociedade, supre as nossas vontades? Somos efetivamente precavidos de danos e seguros em nosso modo de viver? Ora, poderíamos concluir que de fato Rousseau não estava demasiado errado em seu romantismo, uma vez que o homem em estado de natureza não necessitaria de toda esta parafernália que nos cerca e que nos faz ser um eterno escravo de si mesmo, pois viveriam por suas vontades naturais, e não artificiais conforme a própria civilização nos coloca à cada dia. O homem em estado de natureza morreria pela vontade da natureza, e não conforme a morte que nos é dada na civilização contemporânea: por interesses egoístas.

O Estado de natureza seria tão maléfico quanto pensam os não-romancistas? Ou seria o contrato social uma utopia para cegar aqueles que não querem enxergar o mundo com amor?